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UM MITO AO ALCANCE DA MÃO | Imprimir |  E-mail

Sobre O Mundo em que Vivemos, de Cyro Martins


Quando um autor decide privar seu herói das virtudes superiores que, eventualmente, qualificam-no como um mito, está num certo sentido deixando-o ao alcance da mão. Melhor seria dizê-lo ao alcance da razão. Pois essa foi a tese cinqüenta anos longeva de Cyro, em relação à figura mítica do gaúcho herói para o qual até a vilania tornou-se, durante muito tempo, um ato de bravura. Impossível começar uma nota sobre o autor sem referência ao minucioso trabalho de demolição construtiva a que se dedicou, como escritor, que, nesse particular, imitou o psicanalista. O que pode passar desapercebido, entrementes, é que ele próprio sofre o processo, quando abandona interinamente seus registros naturais primitivos e hegemônicos, prementes na maior parte dos seus escritos, para embrenhar-se na análise humanística, um humanismo diferente do renascentista, voltado para o futuro, como ele mesmo adverte, dos três processos explosivos do século XX, o do saber, o demográfico e o nuclear que caracterizam o mundo em que vivemos. Aí, já não é mais um autor vitimado pela paisagem inebriante dos campos, onde os tropeiros exercem sua arte vagabunda como quer Borges, mas estarrecido, ainda que lúcido, frente à ação nefasta e coletiva da pulsão de morte, na guerra cuja arte, de tempos em tempos, vaga o mundo.


Está ele próprio, nesse momento, a pé, apeado dos seus registros de cenas memoriosas dominantes. Chama a atenção, por exemplo, para a contrastante diferença entre um final de século, o anterior, e outro; um no qual quase nasceu e outro no qual quase morreu. Um "sorridente e refinado, de mentalidade despreocupada", mitificado, portanto, por distante, razão pela qual a mentalidade se despreocupou; outro "de dramática expectativa do aniquilamento nuclear", num certo sentido mitificado pela retórica. Poder-se-ia agregar, ainda, do ponto de vista psicanalítico (lembrem-se, a Psicanálise nasce no final do século XIX), num, ocupado em buscar a administração dos espaços relacionais (pois não é a Psicanálise uma ciência para tanto?), noutro, ocupado na descoberta de técnicas para a liquidação de seus ocupantes( ocupantes dos espaços relacionais).


Mas não é apenas sobre a guerra e as vicissitudes do século que Cyro depõe nesta coletânea de cinco ensaios que entrega postumamente ao público, em segunda edição, oportunamente providenciada pela Editora Movimento para comemorar seus noventa anos. É também sobre criação artística, ensaio sem precedentes em nosso meio, pela abrangência. Nele, é como se percorresse dois caminhos ao mesmo tempo, contrariando leis físicas, fenômeno que só a literatura de idéias pode percorrer; aquele( caminho) do que investiga o que inspira e o do inspirado, subvertendo, de quebra, o conceito inspiração. Este ensaio é uma espécie de abuso de autoridade, é como se o autor e tradutor se sobrepusessem no mesmo indivíduo, um, habilitado oficiosamente para a tradução simbólica, desnudando o outro a quem deixa a pé, ao alcance da mão, discorrendo sobre o território pequeno do criador e seus personagens, indo além do pequeno território de impressões por onde estes circulam, deixando o mito da criatividade, finalmente, ao alcance da mão. Melhor, da razão.


E continua delatando motivações, antes insuspeitadas, ao falar sobre psicoterapia ( em "Do mito à verdade científica") ou prevenção primária em higiene mental ( em "Orientação educacional e profilaxia mental") nesta amostra de literatura ensaística de vai de 1953 a 1981, entregando um saber em princípio destinado a iniciados, a daí, de certa maneira, algo mitificado, ao público, ao alcance de outras razões.


Porto Alegre, agosto de 1998.


Theobaldo Thomaz
(psicanalista)