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Literatura e História: narrativas de opressão e silêncio em Cyro Martins*  E-mail
Fortuna Crítica - Artigos

Alexandra Munareto Soares**

 

O ser humano sempre empregou a narrativa ficcional como uma forma de expressar idéias, opiniões e, sobretudo, como uma forma de autoconhecimento, de conhecer as outras pessoas, os diferentes seres com quem convive, o mundo em que habita, realizando, dessa maneira, uma busca constante para entender a sua existência. A arte, em geral, é utilizada como uma forma de expressão dos sentimentos pelo indivíduo, e a Literatura é uma expressão artística que deixa traços marcantes no ser humano, pois utiliza, como instrumento, uma das mais importantes capacidades humanas: a linguagem.

 

Foi com a concepção de que a narrativa ficcional é portadora de um conhecimento humano complexo e profundo, que nos lançamos à tarefa de elaborar um estudo literário e histórico, focalizando as relações entre Literatura e História e as personagens femininas   da trilogia do gaúcho a pé, composta por Sem rumo, Porteira fechada e Estrada nova, do psicanalista e escritor gaúcho Cyro Martins. Essa obra é relevante por se constituir em testemunho de uma época, de um Rio Grande do Sul agropastoril, que tem nas atividades pecuárias das grandes estâncias, a sua principal forma de economia.

 

Durante a realização desse estudo percebemos que esse autor possui a capacidade de captar os problemas sociais reais do Rio Grande do Sul na época histórica do início do século XX, mais propriamente até a metade desse século, sem se utilizar do ufanismo muito recorrente na nossa literatura regionalista. Também, por ser um grande psicanalista, consegue expor o ser humano em seus sentimentos e desejos mais profundos. Extremamente observador, realista e humanista, ele nos propicia um conhecimento do panorama socioeconômico, histórico e cultural em que vivia a mulher gaúcha, pelo viés da sensibilidade, expressando valores e sensações que não são captadas pela realidade científica da história.

 

O processo de criação da narrativa literária consiste na captação e observação da realidade pelo autor para permeá-la de fantasia e imaginação criativa, por isso, acreditamos que nessas obras Cyro Martins expõe com maestria como era a vida das mulheres da época, duplamente oprimidas em relação aos homens.

 

Nas obras em estudo, percebemos a grande preocupação desse escritor com a questão social e a verdade, apresentando as misérias alheias e expondo, o mais próximo possível da realidade, o cotidiano do homem pobre do campo, através de seu olhar sensível e  observador da natureza humana.

 

Em sua trilogia Cyro Martins procura dar uma possível explicação para a miséria que há nas grandes cidades gaúchas, principalmente ao redor delas, em sua periferia. Sua obra narra a gênese desse processo de superlotação das grandes cidades, tal como se vê hoje.

 

Dessa maneira, a trilogia do gaúcho a pé recria um Rio Grande do Sul do início do século XX, com seus problemas humanos, sociais, políticos e econômicos. Sem rumo mostra o início do processo de expulsão do homem do campo, de classe baixa, menos favorecido: do peão, do carreteiro, do capataz, do agregado, etc.; Porteira fechada aborda um momento de desespero total do gaúcho, que se vê obrigado a sair do campo, despreparado para as exigências da vida citadina, o que o leva ao suicídio; em Estrada nova, há um êxodo rural completo, até mesmo dos grandes proprietários de terra, pela falta de recursos e pela grande infiltração tecnológica na campanha gaúcha, o que não impede que o autor finalize dando uma esperança à classe marginalizada do campo.

 

Dessa maneira, Cyro Martins contrapõe à feição idealizada do gaúcho uma versão mais realista e coerente com mudanças econômicas e sociais porque a figura passa a ser obrigada a apear do cavalo, a migrar para centros urbanos e a enfrentar a perspectiva do horizonte reduzido. Em seus romances, o homem campeiro está em decadência social e moral, inapto para as mudanças que surgem, sentindo-se humilhado e sem perspectiva de um futuro melhor.

 

O autor procura utilizar sua ficção literária como uma forma de denúncia do mandonismo e do grande problema de má divisão da terra no Brasil realizando, dessa maneira, uma crítica à História do Rio Grande do Sul.

 

Hoje, sabemos que à Literatura são atribuídas certas capacidades cognitivas antes associadas somente à História, dessa forma as narrativas literárias deixaram de desempenhar somente uma função de evasão e descontração e ganharam, com isso, uma compreensão que vai além de seu valor estético, podendo ser consideradas uma manifestação cultural, uma possibilidade de registro do movimento que realiza o homem na sua historicidade. Dessa forma o texto literário pode constituir uma fonte para  a pesquisa histórica.

 

O que verificamos nas obras em estudo é que a História do Rio Grande do Sul está presente em sua páginas. Alguns fatos narrados pela ficção literária coincidem exatamente com o livro História do Rio Grande do Sul, de Sandra Jatahy Pesavento, seja no tempo cronológico em que se desenrolam os fatos, seja nos detalhes sobre esses acontecimentos que a História retrata. Mas esses fatos são enriquecidos através das falas das personagens, porque elas vivem aquele enredo, estão presentes naquele episódio narrado, o que proporciona um conhecimento aprofundado do ser humano e da complexidade que o acompanha diante dos problemas sociais, econômicos, políticos e humanos que se apresentam. Dessa forma a Trilogia do Gaúcho a Pé, de Cyro Martins, possui a capacidade de apresentar O Rio Grande do Sul da época até com mais sagacidade do que a História, já que apresenta um mundo de possibilidades interpretativas que não são permitidas nos registros históricos.

 

Mas, um legado desse autor, também importante para os conhecimentos do leitor, é apresentar, através de suas narrativas literárias, um mundo feminino. Ele expõe com maestria o sofrimento das mulheres em uma sociedade patriarcal e extremamente rígida. Sabemos que o papel desempenhado pelas mulheres gaúchas permanece pouco estudado e possui poucos registros históricos já que a História preocupou-se em relatar os grandes feitos dos homens gaúchos em guerras e em defesa da terra. Dessa forma, é possível, através das narrativas ficcionais em estudo, ter uma noção das mulheres gaúchas da época.

 

Suas personagens femininas vivem de maneira diferente das masculinas. Elas possuem limites para toda ação que desenvolvam. Seu mundo é o lar, vivem a cozinhar, costurar, limpar a casa, as roupas, educar os filhos e servir ao marido. Nunca saem de casa, a não ser para prestar serviços à Igreja, à comunidade, auxiliar em velórios ou preparar enxovais para o casamento das filhas.

 

Elas andam discretamente e são carentes de linguagem, de modo que quase toda interpretação se dá por meio de gestos, expressões corporais, vontades reprimidas e sonhos não realizados. Elas vivem num mundo de submissão e repressão. São vistas pelo companheiro como posses, seres sem valor e sentimentos, que nasceram para servir a seus homens.

 

Dessa maneira, esse estudo realizado nos livros que compõem a Trilogia do Gaúcho a Pé: Sem rumo, Porteira fechada e Estrada nova, visa a observar o importante papel que desempenha a Literatura ao fornecer para o leitor conhecimentos mais profundos que a História. Após verificar que as narrativas de Cyro Martins possuem em seu enredo fatos históricos que são melhor desenvolvidos pelo viés literário, devido às vivências das personagens que se envolvem naquela situação retratada, é possível observar como viviam as mulheres gaúchas através de suas páginas de ficção. Assim, ressaltamos o caráter literário das obras de Cyro Martins, que se mostra  um importante escritor social, além de valer-nos de sua Literatura para melhor compreender as questões culturais e sociais presentes na mentalidade e nas estruturas da sociedade gaúcha até os dias atuais.

 

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* Resumo de Dissertação de Mestrado defendida no curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Santa Cruz - UNISC - RS - 20/08/2009. Oirentadora: Profa. Dra. Eunice Piazza Gai.

** Alexandra Munareto Soares - Profª Mestre em Letras pela UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul - RS

e-mail: a.munaretosoares@gmail.com