Ernildo Stein - filósofo

As vilas pobres que cercam as cidades da campanha rio-grandense parecem ter muito em comum com os aglomerados marginais das grandes cidades brasileiras. Entretanto, apesar da semelhança entre o ponto de vista físico, sua origem e constituição apresentam uma história específica ainda não estudada pelos cientistas sociais.

Já a história da formação da cidade da campanha latino-americana apresenta traços característicos. Por isso também a marginalidade teria uma relação particular com o núcleo urbano em sua composição e sua gênese.

O que hoje parece definitivo, sem história, teve seu processo de formação, e a população tem componentes originais nas cidades da região da campanha rio-grandense.

Como se formaram estas vilas populares? De onde veio sua população? Traz ela ainda marcas de sua origem? Que tem ela a ver com a cultura rio-grandense? Que mudanças sócio-econômicas levaram esta migração para as cercanias das cidades? Qual a época em que foi desencadeada esta mudança? Todas estas questões não foram ainda suficientemente analisadas.

Cyro Martins, por volta dos anos quarenta, tomou consciência da mudança que se iniciava na campanha gaúcha com a reorganização dos modos de produção. Escolheu para tema de sua ficção a gênese do processo de marginalização do homem do campo. Focou as origens do gaúcho a pé. Seus contos e particularmente a trilogia Sem rumo, Porteira fechada e Estrada nova tornaram-se assim documentos preciosos de uma época. Neles se registra a formação do gaúcho a pé e o surgimento das "coroas de miséria" em torno das cidades da fronteira.

Cyro Martins converteu em documento literário o lado de sombras de nossa realidade. Não apenas para documento, mas como alerta e subterrânea reivindicação. E o outro lado do mundo da fronteira, mais real e menos ufanista que os rompantes de nosso regionalismo. O escritor descobriu nosso anti-herói, o gaúcho abandonado entregue à própria sorte.

Ainda que a obra de Cyro Martins seja o registro de uma época que passou, pois novas mudanças sócio-econômicas criaram outros problemas e geraram outros fenômenos sociais, ela assume proporções definitivas como criação literária e como documento histórico. Ela vale como obra de grande valor estético e como testemunho humano.

(Texto que passou a ser publicado nas reedições de Sem rumo, a partir de 1977 - 2ª ed.)

Links Relacionados:
- Antecedentes do gaúcho a pé - Cyro Martins
- Cyro Martins e a Históris - Décio Freitas