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Campo fora - Guri / Gurí - Cyro Martins  E-mail
Estante do Autor - Ficção

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GURI

 

- Pstiu, caalo!

O pingo, bagual novo, se parara arpista com o reboliço, instigando o ginete para uma escaramuça. Espantado, fogoso, cabeça erguida, trocando orelha, olhando longe, era um urco de grande o pangaré do Nilo.

- Cuidado, rapaz, que esse animal é velhaco.

- Não deixei as pernas em casa.

O guri, de ouvir, já sabia responder.
E não cansava de pular proezas, enganchado no cavalo de sarandi, com uma tira de pano, que era a cola, quebrada em cacho de três galhos bem em cima, lá onde canta o galo e os cuscos não alcançam.

- Volta, volta, boi!
Batendo as aspas pontudas no atropelo da disparada xucra, a novilhada estralava os cascos duros num estrondo, como chuva de pedra no chapadão raso como uma tábua.
Gritaria. Agachadas. Guascaços puxados. Sofrenaços. Esbarradas compridas assinalando no chão a marca da sua violência. Tiros de laço, largados com maestria uns, e outros guampeando as macegas nomais. Rodadas feias. Silvos de boleadeiras pelo ar. E cavalos correndo soltos com arreios.
Um lote grande se cortou rumando o aramado. Na ponta, embora bem montado, o Ricardo, solito, não podia sujeitá-lo.
E se aproximavam ligeiro da cerca, que estava bem de pé, estirada, era toda de madeirama nova.
A chapada, de resvaladia, era um sabão.

E a manhã, claríssima, tonteava, de tanta luz.

Do oitão do rancho, montado no seu cavalinho de pau, o Nilo entusiasmado, contente, batendo os pezitos no chão, que o pingo fogoso não parava quieto, não tirava os olhos do grande cenário.
Nunca vira aquilo. E estava gostando de ver. Tinha lástima de não ser homem ainda para andar lá também, e correr e se arriscar.
Num vá, a cerca deitou. Assobiaram fios de arame arrebentados, e voaram lascas de pau, cravando longe no chão como estacas.
Tropeiro, cavalo e boiada uniram-se num bolo só.
E daí um pedação, apareceram com o Ricardo de arrasto num couro, sangrando.
Quebrara-se no golpe. Mas não gemia, procurando disfarçar a dor. O guri recolheu, na esperteza campeira dos olhitos alarifes, toda a viva emoção daquele instante supremo na vida do gaúcho.
Todos estavam calados. Ele também. Não indagava nada. Olhava nomais.
O índio pediu um cigarro. Tragou uma pitada e morreu.
Esse dia o guri não brincou.

Dias depois encontraram o Nilo, deitado debaixo do mesmo umbu, bem espichado, com um cigarro apertado entre os dentes, fingindo-se de morto.
Faz de conta que numa tropeada braba levara uma virada mui feia.
Perto, branqueando ao sol, a sua tropa. Ossada limpa!
A cerca de um fio de barbante, suspenso antes na ponta de dois pauzinhos finos, toda caída no chão.

Ao lado do aramado, morto, o bagual pangaré.

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In Campo Fora. Porto Alegre, Movimento, 1991, p. 30( 5ªed.). 1ªEdição -1934.

GURÍ

– ¡So! ¡So, ca’allo!

El pingo, bagual nuevo, se había parado arpista con el rebullicio, e inducia al jinete como para una escaramuza. Espantado, fogoso, cabeza erguida a orejear, mirando lejos, era un urco de grande el pangaré de Nilo.

– ¡Cuidáte muchacho que ese animal es bellaco!

– ¡Las piernas no las he dejado en casa!

De oír, ya sabía contestar el gurí.
Y no cansaba de brincar proezas, enganchado en el caballo de sarandí, con un retazo de pano, que era la cola, quebrada en tres gajos bien arriba, allá donde canta el gallo y no alcanzan los cuzcos.

–¡Venga! ¡Venga buey!
Batiéndose las aspas puntudas en el atropello de la disparada chúcara, en un estruendo de manga de piedras, la novilllada estallaba sus duras pezuñas en el chapadón raso como una tabla.
Griterío. Agachadas. Guascazos tironeados. Sofrenazos. Largos encontronazos dejando en el suelo la huella de su violencia. Tiros de lazo, los unos largados con maestría, y los otros guampeando a las maciegas nomás. Feas rodadas. Silbidos de boleadoras en el aire. Y caballos a correr sueltos con los aperos.
Cortó rumbo al alambrado un lote grande de animales. En la punta, aunque bien montado, el Ricardo, solito, no podía sujetálos.
Y se aproximaban ligero de la cerca, que estaba de pie, bien retesada, y era toda de maderamen nuevo.
El piso, de resbaloso, era como jabón.

Y la mañana, clarísima, tonteaba de tanta luz.

Bajo el mojinete del rancho, montado en su caballito de palo, Nilo entusiasmado, contento, golpeando los piecitos en el suelo, que el pingo fogoso no se paraba quieto, no tiraba los ojos del gran escenario.
No había visto nunca a una cosa así. Y estaba gustando de ver. Tenía lástima de aún no ser hombre para andar por allá, también, y correr y arriesgarse.
En un vú echóse abajo la cerca. Silbaron hilos de alambre reventados, y volaron astillas de palo, clavándose lejos en el suelo, como estacas.
Tropero, caballo y novillos se mesclaron en una cosa sola.
Al mucho tiempo aparecieron con el Ricardo de arrastro en un cuero, sangrando.
Se había estropeado en el golpeteo. Pero no se quejaba, buscando disfrazar el dolor. El gurí recogió, en la astucia campera de sus ojitos alarifes, toda emoción de aquel instante supremo de la vida del gaucho.
Callados estaban todos. Tabién él. No preguntaba nada. Miraba nomás.
El índio había pedido un cigarrillo. Tragó una pitada. Y murió.
Ese día el gurí no quiso jugar.

Días después lo encontraron a Nilo echado bajo el mismo ombú, bien estirado, con un cigarrillo apretado entre los dientes, haciéndose de muerto.
Hacíase cuenta que en una tropeada braba llevara una volteada muy fea.
Cercana, blanqueando al sol, su tropa, ¡huesada limpia!
Toda volcada en el suelo la cerca de un único hilo de cordón, antes sospendida en la punta de dos delgados palitos.
Junto al alambrado, muerto, el bagual pangaré.

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URCO (del portugués: urco) – Caballo frisón; percherón.

PUNTUDAS (del portugués: pontudas) – En español: puntiagudas.

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- In: Campo fora/Campo afuera. Porto Alegre, IEL/CELPCYRO, 2000.
Ed. Bilíngüe português e espanhol. Tradução para o espanhol: Aldyr Garcia Schlee.*

 


alt* Campo Fora/Campo Afuera é o primeiro livro publicado por Cyro Martins, em 1934, composto por 14 contos. Nesses textos o jovem escritor recupera, na linguagem e nos relatos, o viço da infância e da juventude, a paisagem, as vivências da Campanha e já prenuncia as agruras do gaúcho a pé. A meu ver, em "Guri" se tem a síntese da idealização e da crua realidade do homem do campo, na visão ingênua  de uma criança.

A presente edição bilíngüe foi patrocinada pela Secretaria Estadual de Cultura/Instituto Estadual do Livro (IEL) do RS. Tornou-se ponto de referência inicial do Projeto Fronteiras Culturais (Brasil - Uruguai- Argentina), do CELP Cyro Martins, o qual tem o propósito de identificação, fomento e difusão cultural, abrangendo os três países referidos, em especial, a região que compreende cidades fronteiriças de Livramento (RS) e Rivera (UY). As leituras de leitores dessas cidades podem também levar a conhecermos mais sobre sua história, geografia, literatura, linguagem, seus costumes em geral. O universo ficcional do livro - a Campanha, personagens, histórias, linguagem - tanto quanto o contexto sócio-histórico em que foi criado propiciam elementos para uma leitura prazerosa e reflexiva. Ademais, a circunstância das leituras favorecerá observação de entrecruzamentos de imaginário e realidades, especialmente no diálogo do passado com o presente, tendo no universo do gaúcho heróico e no contexto do gaúcho a pé focos significativos.

                                                         Maria Helena Martins - Coordenadora do Projeto

                                                         Fronteiras Culturais ( Brasil -Uruguai - Argentina)

 

Cyro Martins. Campo fora/Campo afuera. Porto Alegre, IEL/CELPCYRO, 2000. Edição bilíngüe português/espanhol. Tradução para o espanhol: Aldyr Garcia Schlee, escritor

Coordenação geral da Edição: Elisa Henkin-IEL
Maria Helena Martins - CELP Cyro Martins
Editoração: Adriana Condessa Ferreira
Preparação de originais: Susana Dantas Guindani
Revisão em Português: Nóia Kern
Revisão em espanhol: Pablo Rocca
Criação da capa: Flávio Wild

 

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