X Jornada CELPCYRO

img banner

Informe CELPCYRO

Cadastre-se e receba nosso INFORME
Nome
E-mail*
Área de Atuação

Redes Sociais

  • Twitter
  • Windows Live
  • Facebook
  • MySpace
  • deli.cio.us
  • Digg
  • Yahoo! Bookmarks



Tiros para o Alto | Imprimir |  E-mail

Flávio Aguiar – Apresentado por Maria Helena Martins


Libório era o capataz da estância Santa Branca, nas lindes de São Pedrito. A estância Santa Branca era daquelas em que o visitante, ao ir de jipe da porteira até a sede, entrava e saía pelo Uruguai a dentro e a fora sem se dar conta. Quase perdida na campanha, era uma pérola de bom gosto, e em boa parte isso se devia às capacidades quase centenárias do Libório.

Pois um dia o Libório adoeceu, de uma quebradeira nos rins. Caminhar, caminhava, mas era difícil levantar. O patrão, que era homem às direitas e reconhecido, resolveu que o Libório mereceria do bom e do melhor. Despachou-o para o Rio de Janeiro, para tratamento com reconhecido cobra no assunto. E lá se foi o Libório, que de cidade grande só conhecera Bagé, para a ex-capital federal, cheio de recomendações:

- Cuidado com os assaltos, Libório. Lá tu não conhece as pessoas.

Libório foi, viu e voltou. Fez as consultas, tomou os remédios e ficou bom e desempenado de novo. Mas contava que vivera pelo menos uma situação de aperto.

Foi num começo de noite. O patrão lhe arranjara um hotelzinho no Leblon, já que o consultório do médico ficava em Ipanema. Libório ia e voltava de ônibus, com tudo anotado para não se perder. Tanto na ida quanto na volta tinha um estirão de quadra, quadra e meia para caminhar até a parada do ônibus, ou de volta até o hotel.

Num belo dia a consulta atrasou. E quando o Libório voltou já era noite fechada.

- Mas tu não teve medo? Perguntaram, enquanto ele limpava o pigarro e acendia o palheiro, pra fazer suspense, como aprendera num filme que vira na ex-capital.

- Não, ele respondeu. Não me apertei. Eu sempre levava o trinta e oito comigo, pra qualquer necessidade. De modes que pra me garantir fui andando no meio da rua, por entre os autos que vinham vindo, com o revólver na mão. E de quando em quando, pra que ninguém se metesse comigo, eu dava um tiro pra cima.

E arrematou:

- Era uma beleza de janela batendo, de correria na rua e de auto subindo em calçada! Mas comigo ninguém buliu! Nem a polícia apareceu!


Flávio Wolf de Aguiar, colaborador desde a primeira hora deste site, é dos tantos gaúchos desgarrados que não esquece os pagos. Foi muito jovem para São Paulo, dividindo-se entre o jornalismo e a docência na USP. Desde cedo a Literatura atraiu-o como estudioso e escritor, pois já em 1972 ( quase imberbe, mas já de bigode) publicava os poemas de Sol; a seguir  viria a novela Ora Pro Nobis (1976), não parando mais de escrever, seja como jornalista e crítico literário , seja como ficcionista. Em 1999, surpreendeu com a sutil e vigorosa narrativa Anita, romance ganhador do Prêmio Jabuti. Entre as tantas atividades que continua exercendo,  volta aos contos, melhor, aos causos, afiado no humor guasca que cultiva autenticamente. Muito bom exemplo disso, tem-se em Tiros para o Alto.

Maria Helena Martins