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SOBRE LÉLIA ALMEIDA | Imprimir |  E-mail

Suzana Albornoz *


No Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras (São Paulo, 2002), Nelly Novaes Coelho apresentou Lélia Almeida para o Brasil: romancista, cronista, ensaísta e professora universitária, de Literatura Brasileira e Literatura Latino-Americana. Nascida em 1962, Lélia iniciou sua carreira de escritora com o romance Antônia(1987), ao que se seguiram: Senhora Sant'Ana (também romance, 1995); 50ml de Cabochard - crônicas sobre mulher e literatura(1995); A sombra e a chama: as mulheres d'O Tempo e o Vento (ensaio, 1996); As mulheres de Bangkok (crônicas, 1997); e Querido Arthur (romance, 1999).

Conterrânea de Sant'Ana do Livramento, leio os livros de Lélia na posição peculiar de leitora envolvida, cúmplice, que supõe ler e entender as entrelinhas, ver os cantos escondidos, quem sabe o avesso dos textos. Mas, pensando melhor, este deve ser sobre todos os leitores o efeito da sua escrita que carrega, em seu fluir natural, uma arguta observação sobre o modo de viver e de sentir a vida das mulheres de seu tempo, também das que sobram na memória de outros tempos, naquela terra do vento.

E como na produção literária da terra do vento ainda predomina a imagem mítica do gaúcho a cavalo, é auspicioso e original que se apresentem na Literatura vozes outras, urbanas, a pé, femininas.

Lélia Almeida realiza neste sentido um trabalho importante, muito seu pelo estilo mas também de todos e todas, enquanto expressa uma forma de existir que não é a do guerreiro dos pampas, mas sim a das mulheres corajosas para enfrentar as vicissitudes da manutenção da vida, do afeto, da saúde, mergulhadas nos interiores das casas, no interior das memórias, no interior do Continente, nos interiores da fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai.

Liga-me especial afeição ao romance Senhora Sant'Ana, que tive ocasião de comentar no Seminário Internacional As Mulheres e a Filosofia na UNISINOS em 2003 (Revista Signo, UNISC, 2004), e a própria autora apresenta assim:

Eu vou contar uma história de amor. Só que não é destas entre homem e mulher. É uma história de amor em tom menor, em tom suave, sem arrebatamentos nem paixão. Mas é uma história de amor. Amor de mulheres, por mulheres, por filhos e filhas, é uma história de mães e filhos. Amor estranho este, misterioso, indecifrável também, muito além dos conceitos e preceitos da clínica ou pediatria, um amor estranho sim.(p.7-8)

Hoje, contudo, escolhi para apresentar Lélia Almeida uma página de seu último romance, Querido Arthur(1999):

A casa onde crescemos era a casa dos nossos avós. Do avô há lembranças engraçadas, um homem velho e surdo que falava conosco aos berros - e que por isso pensávamos que estava sempre furioso - e nos dava balas de mel. Mas isto, o das balas de mel, foi mais adiante. Sabe-se lá por que estranhas tramas quis o destino que algumas mulheres, além das nossas mães, fizessem daquela casa o porto, o porto seguro, onde atracavam, descansavam, nutriam-se do afeto e da sabedoria de Elisa, e partiam. Tia Adelaide quando enviuvou e ficou com duas meninas pequenas, só saiu da casa da Elisa em segundas núpcias. Tia Elvira, prima do Vovô, encontrouna casa de Elisa seu porto seguro também, ela e seus três meninos, quando o marido descobriu que a mulher gostava dele, e do dentista também e parece que do médico também, enfim, os casos comuns e correntes de por que as pessoas se deixam de amar e se separam. Todas passaram pela casa de Elisa, que cuidava, amparava e nunca se metia na vida de ninguém. Uma casa cheia de mulheres e crianças, e homens, sazonais, que também iam e vinham. Talvez contando, Arthur, eu entenda um pouco aquele entra e sai maluco de mulheres e crianças. Minha mãe também, mudou-se para a casa de Elisa quando papai nos deixou. Eu era pequena mas lembro o dia da chegada na casa da Elisa. Não muito tempo depois sua avó chegava também com malas e bagagens e uma menina meio selvagem, fora abandonada pelo marido, um antriopólogo maluco que sumiu numa viagem para o Amazonas. Éramos então restos de famílias orbitando em torno da árvore sólida, constante, a casa de Elisa. (p.19-20)

O gênero é o epistolar, trata-se da fala da tia ou prima mais velha falando com o jovem da geração a seguir; o universo das memórias e onde ainda se escreve é a casa dos avós; as personagens são mutáveis e mutantes, e sobretudo, mulheres; os elos com o resto do mundo brasileiro, da Amazônia ao Prata, abrem os limites da fronteira para além das coxilhas verdes da região.

Dezembro de 2006

* Suzana Albornoz
é filósofa, escritora e professora universitária



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