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Tempo e Memória | Imprimir |  E-mail

Joana Bosak


Foi ontem, e é o mesmo que dizermos, Foi há mil

anos, o tempo não é uma corda que se possa medir

nó a nó, o tempo é uma superfície oblíqua e ondulante que

só a memória é capaz de mover e aproximar.


José Saramago


Terminado o primeiro dia de ombate, veificou-se  que
em vários bairros de Paris, independentes uns dos outros e
na  mesma hora, foram disparados tiros contra os

relógios localizados nas torres
.

Walter Benjamin

 

Calendários não marcam o tempo como relógios. Calendários marcam datas e dias feriados, rememoram dias “aceleradores da história”, tais como o 14 de julho. Não por acaso, os relógios das torres dos bairros de Paris ficaram marcando, de certa forma, o horário em que foi deflagrada a Revolução para alguns aos serem atingidos e terem aquelas horas congeladas.  Ali o tempo parou, mas a história mudou.

Será possível marcar o tempo? Marcar como? Formatá-lo talvez. A marca é do que (e em quem) acontece num determinado espaço de tempo. A memória é o que recende de um determinado momento do tempo. História são momentos lembrados, seja por escritores, seja por historiadores. Ninguém é testemunha ocular da história que escreve, a não ser daquela dita imediata. A história nada mais é que seleção de memórias, de momentos, de espaços de tempo considerados por alguém “autorizado”, como mais marcantes ou mais decisivos.

O historicista, para Benjamin, pela empatia escolhe sempre a história dos vencedores para relatar o tempo perdido/reencontrado pela escrita da história, pois articular historicamente o passado, ou seja, o tempo passado, significa apropriar-se de uma reminiscência e não daquele momento como ele realmente foi, mas de como ele ficou marcado na memória de alguém. Por isso, Benjamin nos diz que a história é o objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de “agoras”.1

Se pensar, para Benjamin, não é tão só movimento de idéias, mas também imobilização de idéias (o agora), de tempos, o tempo perdido de Proust é, ao contrário, um tempo reencontrado, um tempo de escritura, de produtividade. A memória é então, ela mesma um intertexto, onde momentos da vida de quem lembra são perpassados por textos, cenas e outros momentos que não lhe pertenciam, mas que foram contados por alguém e que ao rememorarmos tornam-se nossos. A memória pode ser também considerada como a nossa Caixa de Pandora, a nossa abóbada celeste, em que os pensamentos, os vestígios de nossas vivências ficam à deriva, esperando ser resgatados, reencontrados, rememorados, ressignificados, articulados de forma inteligível.

Os pensamentos podem estar nesta abóbada, tais como balões com gás hélio, flutuando e tentando subir cada vez mais e, chegando à fronteira entre o pensar e o falar/escrever talvez fiquem todos próximos, esperando para serem retirados um a um e reordenados sob a forma de livro, de poema, de escultura, de pintura, de música, de dança, de discurso, de peça de teatro.

A memória é o receptáculo de todos os intertextos humanos, das vivências literárias e não literárias. A memória é ela própria um intertexto, na medida em que esses vestígios de vivências coadunam-se uns aos outros projetando nossa história, nosso tempo, seja individual, seja coletivo.

Para Roland Barthes, ao referir-se à obra de Proust, o que ocorre com o leitor é uma projeção em relação àquele narrador, o que seria a mola da literatura. Ora, esta identificação com o outro é com o operário, com aquele que dentro de um determinado horizonte busca uma percepção outra e torna a obra seu projeto. Por este caráter particular, o mesmo Barthes nos diz que não se pode datar o início de uma obra. Dentro da complexidade formal da obra, Barthes considera certa indecisão em Proust: qual gênero estaria escrevendo – romance ou crítica? O mesmo Barthes responde que não há definição; é uma forma mista, um terceiro espaço, uma terceira forma de escrever, talvez porque o tempo e a memória falem tão alto que não consigam deixar de manipular o narrador, fazendo-o cometer isto e aquilo, romance (autobiografia) e crítica.

O tempo proustiano é um tempo sonolento, mas altamente produtivo, é um tempo da memória, um cruzamento entre o tempo direito e o tempo invertido: tempo de rememoração, pedra da memória – de um consciente enquanto desordem, e uma letargia produtora de significados não atingidos num estado de alerta. A lógica do tempo é então transposta: não há mais crono-logia, mas uma desorganização do tempo, desvios como opções criativas. A Busca enquanto escrita é constelação de circunstâncias e figuras: eu sou eu e minhas circunstâncias, já diria Ortega  y Gasset.

Em Sur Racine Barthes defende um meio do escritor; o lugar de disseminação do pensamento. Ora, o pensamento é rememoração e a disseminação antes acolhe para depois espalhar idéias rememoradas. 2 Já Eva Kushner cinde o tempo em dois: o tempo perdido (passado ido) e o tempo reencontrado (discurso que incide sobre este passado). Para ela, o passado nunca é apreensível, o que o reconstroi é a memória e a seleção.3 A história é a memória de tempos reencontrados em meio a milhares de fatos, dias e pessoas que existiram e que só assim são resgatados.

 

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NOTAS

1. Ver Benjamin, Walter. Sobre o conceito da história. In: Obras Escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1985.

2. Roland Barthes. Racine. Porto Alegre: LP&M, 1987.

3. Eva Kushner. Articulação Histórica da Literatura. In: ANGENOT, M., BESSIÈRE, J., FOKKEMA, D. 7 KUSHNER, E. Teoria Literária. Lisboa: Dom Quixote, 1995.