X Jornada CELPCYRO

img banner

Informe CELPCYRO

Cadastre-se e receba nosso INFORME
Nome
E-mail*
Área de Atuação

Redes Sociais

  • Twitter
  • Windows Live
  • Facebook
  • MySpace
  • deli.cio.us
  • Digg
  • Yahoo! Bookmarks



Velhos sem velhice  E-mail
Além da Letra

 

                                                                                                                                                                                            Maria Helena Martins

 

Chego à Galeria Marta Traba, no Memorial da América Latina  (SAO), para a vernissage da expo Retratos do  Afeto. Logo tomo conhecimento de que essa exposição está inserida num projeto: Jornada da Longevidade. Agrada-me a escolha dessa longevidade - referência aos idosos sem lhes grudar epítetos condescendentes e falsos como Melhor idade. Vou sendo informada pela coordenadora do projeto, Sra. Alice Carta, e pelas curadoras Juliana Monnachesi e Denise Schnyder. Entre os propósitos do projeto está o de alcançar um público amplo - não necessariamente de velhos - de pessoas não frequentadoras de exposições, teatro, cinema, balé, literatura, mas mais chegadas a artesanato, circo, baile, aos quais também são apresentadas,gratuitamente. Os participantes são levados ao contato  direto com obras e autores, misturam-se efetivamente e são incentivados a  estabelecer relações significativas com o que se lhes mostram e suas próprias experiências, suas fantasias, suas criações. Isso é o mais importante: não se trata de permissão, consentimento, mas de vontade explícita de conquistar  esse público para manifestações artísticas e culturais, com disponibilidade para acolher o que essas pessoas  trazem de sua trajetória de vida e intercambiar realizações.

Participantes da Jornada da LOngevidade 2014

                                                                               Participantes da Jornada da Longevidade 2014

Com tais informações fui introduzida à exposição  Retratos do Afeto - um dos eventos do projeto Jornada da Longevidade 2014, em que fotógrafos renomados foram convidados a homenagear seus queridos, em especial, idosos. De pronto percebo-me tocada pelo título da exposição. Imagino os artistas levados a fazer os  "retratos" com a alma leve. Num processo de acolhimento e carinho. Memória e emoção.  Assim vi a exposição, admirando a maioria das obras. Mas, independente da amizade me fazer dar atenção especial para Mamma, de Paulo D'Alessandro, vejo nessa fotografia que ele mostra  um retrato  efetivo de afeto, uma cumplicidade amorosa entre artista e modelo, filho e mãe. Parece-me que ele atinge  em cheio o objetivo da exposição.

Mámma-287x300Mamma, de Paulo D'Alessandro

Esse olhar de cumplicidade percebo também na Mamma, numa postura meio marota, como a brincar com o fotógrafo e em certa medida fazendo uma metalinguagem: da situação, da relação modelo-fotógrafo e de sua própria profissão de professora. Tudo isso perpassado por uma atmosfera lúdica, com leveza e carinho.

                                           barcelona

Nas fotos de Barcelona, que o fotógrafo também expõe, deparamos figuras despojadas e contentes com a vida (acima, algumas delas).  Aí se impõe uma  diferença e  me leva a pensar que eu nunca teria visto criaturas velhas sem velhice. Nem eu nem muitas das pessoas presentes na exposição. Em nossa sociedade o velho e a velhice são estigmatizados. Não se lhes dá direito de serem livres,  leves e soltos - sob pena de estarmos cedendo às sandices dessa idade ... Daí a Mamma e as figuras de Barcelona surpreenderem. E, de imediato, cativarem o espectador.

Não preciso criar eufemismos para identificar essas figuras. Os eufemismos são corolários dos estigmas. E eles não têm lugar nessas imagens de D'Alessandro. Ao contrário, elas estão lá  a desafiar o olhar preconceituoso de quem vê a velhice e não os velhos satisfeitos.

Não à toa, Cyro Martins, ao olhar fotos de velhos num asilo ( ele tinha, então, mais de 70 anos, mas só se considerou velho quando já doente e próximo da morte),observa:

O que mais impressiona nessa meia dúzia de fotografias de velhos num asilo, desde o primeiro vistaço, é o tédio da repetição das horas, iguais, espichadas, destilando morrinha, prostração, fastio. ( veja as fotos e leia o texto completo)  

 

Com sua generosidade de humanista, Cyro Martins não tem repulsa, nem se amargura diante dessa velhice que abate os velhos de um asilo. Apenas lamenta que seja esse o fim de muitas pessoas. Bem diferentes dele que, sem pejo e sem culpa, revela em entrevista já aos 80 anos: "ainda estou em obras". Uma boutade, mas bem fiel à realidade.

Quisera eu - e muitos de gerações mais novas que a minha - pensar, agir assim e declarar algo semelhante.

 

=============================================================================